O Mercado Visto da Rua: “ O que tenho aprendido com a atividade de Promoção Imobiliária”

Desde 2019 que tenho tido o privilégio de participar em Operações ou Atividades de Promoção Imobiliária. Desde a gestão e coordenação de tarefas muito específicas, até à coordenação global de todas as fases e tarefas que caracterizam a atividade, posso afirmar que tem sido uma jornada de aprendizagem incrível, onde os erros cometidos são as maiores aprendizagens.

No meu entendimento e tendo em conta as experiências adquiridas, admito que a Promoção Imobiliária seja a mais complexa atividade de toda a nossa indústria, precisamente pela necessidade de incorporar todas as outras atividades que fazem parte do mercado imobiliário no seu processo de desenvolvimento.


Resumo do Ecossistema da Atividade de Promoção Imobiliária


Comecemos pela interpretação da definição que “encontrei para a atividade”, e tenho vindo a melhorar continuamente:

“A Promoção Imobiliária é a arte de planear, coordenar e desenvolver todas as atividades e processos que permitem o desenvolvimento de novos ativos imobiliários ou a reabilitação de ativos existentes, enquadrando regulamentação e planeamento urbano com as necessidades específicas do mercado, da forma mais Sustentável que for possível ( Sustentabilidade: Social, Ambiental e Económica) .

Hoje, o Promotor tem o dever e responsabilidade de incorporar o conceito “Sustentabilidade” nos seus projetos, numa dimensão totalmente distinta do passado.  O setor imobiliário é responsável por cerca de 30% das emissões de carbono a nível global e consome praticamente 40% da energia mundial. A necessidade de reduzir estes rácios é urgente para que o mundo que conhecemos continue a existir.

Ao mesmo tempo vivemos tempos de grande turbulência política e agitação social a nível global, ao mesmo tempo que assistimos ao agravamento da falta de acessibilidade à habitação acompanhada por dinâmicas de imigração relativamente distintas do passado que ainda colocam mais pressão no problema.

Os dois parágrafos anteriores apresentam de forma muito sucinta alguns dos grandes desafios existentes que necessitam de resposta afirmativa e impactante por parte da Promoção Imobiliária. Não temos muito tempo para pensar, é preciso agir rapidamente.

Muitas vezes, a sociedade em geral entende que o Promotor Imobiliário “é uma figura” que só constrói edifícios para obter lucros astronómicos, “sem dó nem piedade de niguém”. Confesso que o racional económico é sempre imprescindível para que os projetos possam sair do papel. Tratando-se de uma atividade muito dependente do Capital Intensivo, é essencial mitigar os riscos do processo. Verdade seja dita, não existem operações perfeitas e os erros cometem-se todos os dias. No entanto, um “erro mal calculado” numa operação de Desenvolvimento Imobiliário pode ter um grande impacto a vários níveis (Económico, Social, Ambiental). Todos nós conhecemos casos de impacto negativo. (Ex. Crise Subprime)

O “verdadeiro” Promotor Imobiliário tem como principal objetivo o Desenvolvimento de Projetos Imobiliários com impacto positivo, a todos os níveis. Só essa visão lhe permitirá atuar no mercado de forma consistente e reconhecida. Se a lógica for unicamente “lucro a todo o custo”, tenho dúvidas que consiga estabelecer-se no longo prazo.

Tendo em conta as especificidades do setor imobiliário, de que forma se poderá posicionar o Promotor Imobiliário?

  1. “Promotor Investidor” Assume o controle total do Projeto Imobiliário, detendo 100% do seu capital. Poderá ter a Banca como parceiro financeiro ou outro tipo de estrutura de financiamento. Em suma, o Promotor é detentor do Capital e do Conhecimento que lhe permite desenvolver os seus projetos imobiliários de acordo com os seus objetivos e interesses. O processo decorre o seu percurso normal, desde a aquisição do terreno, desenvolvimento de projetos, execução de obra, comercialização do produto imobiliário, etc. Normalmente, são estruturas empresariais com dimensão, que tentam verticalizar grande parte das operações de Promoção Imobiliária, tendo capacidade para assumir custos fixos muito significativos. A remuneração ou “rentabilidade” do promotor é variável, dependendo totalmente do resultado do projeto. No entanto, em tese, as suas expectativas de rentabilidade são bastante elevadas.

  2. “Promotor Gestor” O modelo mais “normalizado” nos dias de hoje. Neste caso, o Promotor detém o Conhecimento mas não será detentor de 100% do Capital do Empreendimento. Normalmente assume parcerias com diferentes tipos investidores (institucionais ou particulares) que procuram uma determinada rentabilidade para os seus investimentos mas não detêm o conhecimento ou estrutura para desenvolver projetos imobiliários. Este modelo permite a diversificação de risco do Promotor e a possibilidade de desenvolver mais projetos uma vez que as suas necessidades de capital por cada projeto diminuem (dependendo da sua estratégia e capacidade financeira). Além dos investidores já mencionados, a Banca também poderá ser utilizada como financiadora dos projetos, assumindo um papel mais passivo no que diz respeito às tomadas de decisão.
    O processo decorre o seu percurso normal, desde a aquisição do terreno, desenvolvimento de projetos, execução de obra, comercialização do produto imobiliário, etc.
    O Promotor assume a coordenação e responsabilidade do desenvolvimento e entrega do Empreendimento. Terá sempre a responsabilidade de prestar contas aos seus investidores caso os resultados não atinjam o que foi contratado inicialmente. O processo de  tomada de decisão, dependendo do tipo de parcerias acordadas, poderá ser repartido sobretudo no que diz respeito a questões financeiras. As decisões operacionais ficam totalmente a cargo do promotor (normalmente).
    A sua remuneração deverá ter uma base fixa (custos de gestão do processo de Desenvolvimento Imobiliário), acrescida de uma componente variável que dependerá do resultado do projeto.
    Este modelo obriga normalmente a que o Promotor tenha dois a três projetos em fases diferentes (o ideal seria ter paralelamente, um projeto em licenciamento, um em início de obra e outro numa fase adiantada de obra) permitindo um maior equilíbrio dos seus fluxos de caixa.
    As expectativas de rentabilidade não são tão elevadas quanto no modelo 1).  Há uma clara aposta na quantidade de operações de desenvolvimento e diversificação do risco operacional.  A dependência de capital alheio é superior.

  3. Promotor ConsultorTrata-se de um modelo mais “difícil de operacionalizar” uma vez que depende muito das “vontades e/ou necessidades” dos potenciais clientes. Neste caso o Promotor assume o papel de “detentor do Conhecimento” que permite o desenvolvimento dos projetos imobiliários. Aplica-se sobretudo a operações de pequena escala com as seguintes características:

    - Investidor ou Grupo de investidores que decidiu diversificar a sua carteira, apostando em operações de Desenvolvimento Imobiliário, querendo assumir o controle do Empreendimento Imobiliário mas sem know-how  para o fazer. Muitas vezes são operações de teste e portanto não existe grande iniciativa para contratar uma equipa “própria” porque existem dúvidas relativamente à continuidade. Preferem contratação de serviços.

    - Donos de terrenos ou edifícios com necessidades de valorização (muito comum em heranças), que até tem o capital para valorizar o seu(s) ativo(s) mas não tem o conhecimento para o fazer e tiveram experiências menos positivas no passado. Muitas vezes preferem alienar os ativos, perdendo valor (mais comum quando existe necessidade de liquidez).

    - Investidor/Grupo de Investidores ou Donos de Terrenos/Edifícios que decidiram avançar com as operações de Desenvolvimento mas encontraram muitos obstáculos e desafios no processo, colocando em risco a sua viabilidade. Normalmente procuram apoio e aconselhamento que lhes permita viabilizar a operação ou minimizar perdas potenciais.

    A remuneração do Promotor poderá assumir uma base fixa mais uma componente variável,  sendo normalmente o modelo de negócio com menor potencial de rentabilidade quando comparado com 1) e 2). 
    Tendo em conta o caráter de “independência” a assumir pelo Promotor neste tipo de casos, será um modelo com maior potencial de implementação quando o mercado imobiliário não apresenta grande dinamismo ou fulgor.

    Para quem (como eu) tem aspirações a ser Promotor Imobiliário qual a melhor forma de começar?


    Na minha opinião existem três formas de começar:


    1. Tens Capital e Conhecimento que te permitem iniciar por tua conta e risco;  - Promotor Investidor

    2. Tens Conhecimento Específico que te permite ser valioso e gerar valor e oportunidades de investimento para quem as procura; - Promotor Gestor (Ex: https://andrecasaca.pt/case-studies/o-independente)

    3. “És convidado” porque tens Conhecimento que vai permitir criar valor ou resolver desafios;  - Promotor Consultor 

    Exemplos de Casos: 

    • https://andrecasaca.pt/case-studies/principe-real

    • https://andrecasaca.pt/case-studies/campuslide

    • https://andrecasaca.pt/case-studies/afonso-pala

      O CONHECIMENTO é o ponto comum. Destaco sobretudo a experiência prática e o entendimento do processo e sua sistematização, essencial para mitigar riscos potenciais

      Dando nota do meu caso, tive oportunidade de entrar na atividade pela porta da 3ª Hipótese – Promotor Consultor.

      Talvez seja uma boa opção para quem pretende arriscar e iniciar a atividade de forma independente.

      Pessoalmente, tem sido desafiante atingir o patamar da 2ª Hipótese – Promotor Gestor de forma consolidada e consistente.

      Hoje parece-me mais claro. É preciso ter estrutura e dimensioná-la consoante a escala de operações que pretendes desenvolver. A multidisciplinaridade de perfis e complementaridade de conhecimentos é cada vez mais importante.




“DEPARTAMENTOS” DE CONHECIMENTO NECESSÁRIOS NA ATIVIDADE DE PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA

PROCESSOS A DESENVOLVER EM CADA “DEPARTAMENTO” DE CONHECIMENTO

Criar uma equipa totalmente diferente para cada projeto não é a melhor opção. É praticamente impossível alinhar os Interesses e Valores de todos os participantes quando não existem perspectivas de continuidade e fidelização

E depois, mais do que tudo, será necessário ter uma boa dose de loucura e coragem para assumir riscos “desconhecidos”. Este é o principal ingrediente para tentar começar como um “pequeno peixinho no aquário dos tubarões”.

No meu entendimento também é pertinente que se distinga “Trading de Imóveis” e “Promoção Imobiliária”. Podem existir algumas tarefas e fases coincidentes mas o grau de complexidade é muito superior na Promoção Imobiliária. À data parece-me óbvio que para alcançar o patamar da 3ª Hipótese – Promotor Investidor é preciso juntar “Trading de Imóveis e Promoção Imobiliária” para combater os longos ciclos da Promoção que podem criar desafios de tesouraria e até motivacionais. As “pequenas vitórias” são essenciais para manter a motivação em níveis elevados. Uma equipa/estrutura desmotivada, não funciona.

As diferentes fases do processo de Promoção Imobiliária têm necessariamente diferentes desafios. (se quiseres saber mais sobre as fases que considero, sugiro este artigo: https://andrecasaca.pt/artigos/o-mercado-vista-da-rua-tecnologia-e-promoo-imobiliria)


Quais os principais desafios e dicas a ter em conta?


Não é fácil definir exatamente quais os maiores desafios da atividade porque também depende muito das especificidades de cada projeto.

De todo o modo, partilho convosco algumas dicas que poderão ajudar.


1) A fase de seleção e aquisição do ativo imobiliário é a mais importante de todo o processo. Não se trata de uma questão de “comprar barato para transformar e vender caro”. Trata-se de perceber com assertividade os principais riscos do projeto de forma a que a avaliação do negócio seja válida e criteriosa. Um cliente que muito me tem ensinado ao longo dos anos, não se cansa de repetir: “o que parece muito barato pode sair muito caro”.


2) A Due Diligence Técnica e Jurídica (análise criteriosa do ativo) é essencial para que o Plano de Negócios tenha pressupostos com alguma solidez. Quando adquirimos imóveis sem qualquer tipo de licenciamento, estes riscos crescem substancialmente, sobretudo no que diz respeito à definição do Ciclo de Desenvolvimento, essencial para a viabilidade e sucesso de qualquer projeto imobiliário. Não vale a pena poupar “uns milhares de euros na DD” e “arriscar uns milhões de euros” mais à frente no Desenvolvimento do Projeto. Estou a exagerar um pouco mas tudo depende da escala do negócio. Em Promoção Imobiliária, os erros podem sair muito caros.


3) Os “imprevistos” são uma das maiores certezas de um projeto imobiliário. É fulcral identificar as principais fontes. As fases de Licenciamento e Construção são fantásticos fornecedores de imprevistos. “Pequenos erros de cálculo” podem colocar em causa a viabilidade do projeto. Nunca é demais antecipar diferentes cenários e planos de ação para cada possibilidade.


4) A contratação das equipas e parceiros externos que vão participar no desenvolvimento do Empreendimento Imobiliário não pode ser feita apenas com base em “orçamentos e boas referências”. Na fase de procurement e contratação, acredito convictamente que o Promotor deve ser totalmente transparente relativamente à sua estratégia e visão para o Empreendimento (inclusivamente, deve apresentar o plano de negócios, os “números”). Acredito que a transparência é a alma deste negócio. Dar prioridade a quem trabalha da mesma forma pode ser uma excelente decisão.

Competência e talento não chegam (seriedade, honestidade e responsabilidade já estão intrínsecos à competência). É imprescindível que exista compatibilidade entre as equipas de trabalho. O custo de substituição das pessoas é muito elevado quando o Empreendimento já está em andamento.


5) Confiar, delegar,  apoiar e coordenar são palavras- chave.  A principal função do Promotor é ser a “cola ou o conector” de todos os Stakeholders do projeto para que o Plano de Negócios seja cumprido e os objetivos atingidos. É muito importante não  “criar silos” nas tomadas de decisão. Todos os participantes devem estar a par de todas as decisões e desenvolvimentos relevantes que vão acontecendo ao longo do projeto, sejam positivas(os) ou negativas(os).



6) O Promotor deve estar sempre presente e disponível para os seus fornecedores, clientes e todos os outros possíveis participantes do processo. Um dos maiores erros que se pode cometer é só “dar a cara quando está tudo bem” e evitar ou adiar as más notícias. Um projeto tem altos e baixos, como tudo na vida, temos que contar com isso. Não podemos festejar as vitórias e desaparecer nas derrotas.  Desculpas como: “estou muito ocupado”, “tenho a agenda cheia” , entre outras, não funcionam. Todos temos dias melhores e dias piores. Coisas tão simples como chamadas telefónicas, mensagens ou e-mails, devem ser sempre “atendidas ou retribuídas em tempo útil". É uma questão de respeito e responsabilidade, seja um assunto mais ou menos grave. Se fugirmos das responsabilidades, também não as podemos exigir de ninguém. Os pequenos pormenores podem fazer toda a diferença.



7) Muitas soluções surgem de onde menos se espera. Encorajar e motivar todos os intervenientes a colocar os seus pontos de vista sempre que tenham alguma ideia diferente do que está conceptualizado e muitas vezes projetado, deve fazer parte do ADN e cultura da atividade. Todos temos muito a aprender e a melhorar todos os dias. Sempre de forma coordenada, sem “atropelos”, é essencial promover o espírito crítico para melhorar  produtividade e eficiência. Tratar toda a gente como queremos ser tratados é também é um princípio importante. 



8) O Empreendimento não termina quando o promotor o “entrega” aos seus clientes, depois da conclusão das obras e respetivas certificações. A fase de serviço pós-venda é um dos mais fortes geradores de confiança e fatores de fidelização de clientes. Nesta fase não existe qualquer viabilidade económica de curto prazo. De todo o modo, é na minha opinião um dos mais importantes investimentos para o sucesso de longo prazo da operação.



Resumindo e baralhando, a atividade de Promoção Imobiliária não é nenhum bicho de sete cabeças.  Ainda assim, atravessamos um período de “Transição Disruptiva” (expressão copiada de apresentação da Conferência Europeia da ULI, 2023 - https://europeconference.uli.org/). É precisamente esta necessidade de “Disrupção” que me fez apaixonar pela atividade. O potencial de evolução da Promoção Imobiliária em Portugal é “brutal”. O processo tem muitas ineficiências pela sua própria natureza. Durante muito tempo, o nosso setor não investia praticamente nada em Inovação e Desenvolvimento. Nos próximos anos vamos ter a oportunidade única de participar no processo de transformação e evolução da atividade.  As necessidades de melhoria ao nível da produtividade e eficiência são gritantes, ao mesmo tempo que teremos de ser capazes de desenvolver produtos imobiliários que possam dar resposta às novas necessidades da sociedade. Haverá alguma atividade mais entusiasmante?

Termino com uma expressão que tenho utilizado muito nos últimos tempos: “quanto mais partilhamos o conhecimento que adquirimos, mais adquirimos conhecimento que não temos”.  A responsabilidade é sempre nossa. Não podemos querer mudanças de mentalidade e evolução se não dermos o exemplo. Não podemos exigir que outros profissionais partilhem o seu conhecimento connosco se não estivermos disponíveis para partilhar o nosso.


Até breve,

André Casaca


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