“O Mercado visto da Rua”: Análise de Viabilidade Prévia (Isso Existe?)
Analisar a viabilidade económica de um terreno (ou edifício existente para renovar/reabilitar) e definir a sua melhor utilização é uma tarefa imprescindível quando nos referimos à atividade de Promoção Imobiliária.
Esta análise é tão importante para quem analisa a aquisição do ativo (Comprador) como para quem analisa a venda (Vendedor). Caso exista intermediação, também poderá ser um grande apoio para o mediador na condução do negócio win-win. Os pressupostos até podem divergir um pouco entre as partes envolvidas na transação. De todo o modo, se não existirem pressupostos fundamentados, a negociação pode ficar desequilibrada, pendendo para a parte que tiver mais informação na sua posse.
Muitas vezes, só se analisa a viabilidade após a aquisição do ativo (ou “promessa de aquisição”), partindo de pressupostos “mal fundamentados” ou “pouco vinculativos”. Pode correr bem ou mal. Teoricamente, corre melhor quando vivemos ciclos de mercado mais dinâmicos e líquidos e pior quando atravessamos períodos de maior incerteza.
Uma coisa é certa: O VALOR DE UM TERRENO DEPENDE PROPORCIONALMENTE DA SUA CAPACIDADE DE CRIAR/GERAR VALOR.
Muitos profissionais da nossa indústria entendem que o Valor de um terreno é “o valor que o mercado está disposto a pagar”. Apesar de não discordar totalmente da afirmação, quanto “mais vinculativos” forem os fundamentais que sustentam a operação (para todas as partes envolvidas), mais justa e win-win será a mesma.
Na minha opinião, existe um mito relativamente ao processo de criação de valor nos ativos imobiliários. Normalmente assume-se que só o “Comprador” é que tem capacidade para criar valor. O “Vendedor”, se não for profissional do mercado, depende inteiramente da performance do mesmo e da sua própria condição financeira. Não é verdade. O vendedor também poderá valorizar o seu ativo antes de o vender. É aqui que o Promotor Imobiliário assume um papel fundamental na valorização dos terrenos/edifícios, uma vez que interage com todos os stakeholders do mercado, está em contacto constante com as necessidades do mesmo e é essa a sua proposta de valor. (sugestão de leitura: https://andrecasaca.pt/artigos/o-mercado-visto-da-rua-o-que-tenho-aprendido-com-a-atividade-de-promoo-imobiliria).
Teorias à parte, vamos à breve análise de um caso real, para o qual desenvolvi uma “Análise de Viabilidade Prévia”. Trata-se de um terreno misto composto por um artigo rústico com uma área total na ordem dos 7000 m2 e três artigos urbanos que totalizam cerca de 292,96 m2.
De referir que os artigos urbanos encontram-se em mau estado de conservação, alguns deles já em estado de ruína. Outra informação relevante é o facto não existir qualquer estudo prévio, projeto submetido ou validado.
Por onde começar? Comecemos pela localização:
Palmela é o maior Município da Península de Setúbal com aproximadamente 462 Km, contando com cerca de 68 856 habitantes (Censos de 2021, com variação positiva de cerca de 9,6% face a 2011).
A falta de oferta habitacional adequada ás necessidades da procura, à imagem do nosso país, é um problema que tem feito crescer os valores de renda e os preços de venda a patamares extremamente elevados.
Os produtos imobiliários concebidos no Concelho são pouco focados nas necessidades da procura. Muitos deles resultam de projetos aprovados há dezenas de anos que acabaram por sair do papel recentemente.
A localização geográfica face a Lisboa e Setúbal, centros urbanos mais consolidados, permite a atração de novos moradores ao Município. A variação positiva (9,6%) do número de habitantes entre 2011 e 2021 indica o interesse crescente na localização.
Em termos de distâncias do Terreno em causa a “localizações críticas”, também considero que o racional é muito positivo:
Palmela: 7 min (Carro) – 3,6 Km
Setúbal: 14 min (Carro) – 8,1 Km
Lisboa: 40 min (Carro) – 42,2 Km
Transporte Públicos (Comboio Fertagus): 11 min a pé, 3 minutos de carro – 950 m
Supermercados: 3/5 min (Carro) – 1,3 Km a 2,7 Km
Escola Pública: 2 min (Carro) – 900 m
Escola Privada (St Peter School): 3 min (Carro) – 1,5 Km
Hospital Público Mais Próximo: 14 min (Carro) – 11Km
Hospital Privado Mais Próximo: 15 min (Carro) - 8,8 Km
As novas dinâmicas de vida das pessoas no Pós-Covid e o Teletrabalho (para algumas atividades profissionais), permitem que estes profissionais possam viver “um pouco mais longe” das sedes das suas empresas(até por força dos preços praticados nos centros urbanos), o que possibilitou uma crescente procura por habitação em localizações secundárias ou periféricas das principais cidades portuguesas.
Até aqui os dados são animadores.
Analisando em detalhe o mercado imobiliário da zona, rapidamente percebemos o potencial para a criação de produtos diferenciados. Não admira a aposta da Teixeira Duarte (uma das principais empresas de construção de Portugal) na zona com o seu empreendimento Sobral de Palmela (https://www.sobraldepalmela.pt/), que tem sido um sucesso em termos de comercialização.
Todos os pequenos projetos que se têm desenvolvido nas proximidades tiveram uma ótima taxa de absorção por parte do mercado.
O produto “pequena moradia” com uma “boa zona zona exterior” é o principal foco da procura.
Após o breve exercício inicial de perceber as necessidades do mercado comecei a conceptualizar um Projeto Imobiliário para o terreno, tendo em conta que a oferta habitacional no município é muito fraca em termos de produto e diferenciação.
Parti das seguintes premissas:
- Target? Famílias Jovens (entre os 30 e os 45 anos);
- Agregado Familiar? 2 a 4 pessoas;
- Rendimento Médio do Agregado? 3000 a 4000€/mês;
- Conceito? “Moradias Funcionais”, “Minimalismo”, “Natureza”, “Campo”, “Comunidade”, “Qualidade”, “Equilíbrio Espaço Interior vs Interior”, Amenities (Desporto & Escritório);
- Tipologias? V2 e V3 (+Escritório no “Condomínio”, “Fora de Casa”);
- Tipo de Promoção Imobiliária? Construção para venda, no entanto, julgo que a zona tem enorme potencial na lógica da Construção para Arrendamento, com um produto “ainda mais compacto”;
Em seguida, o enquadramento urbano do terreno:
O lote está inserido em Área Urbana e Urbanizável, na categoria H1 – Área de Expansão de Média Densidade, logo:
Índice de Utilização Bruto: 0,4 | 7000 x 0,4 = 2800 m2
Número Máximo de Fogos/ha – 30
Altura Máxima da Fachada – 6,5 m
Número Máximo de Pisos – 2
Estacionamento: Habitação Unifamiliar ABC < 300 m2 = 2 lugares/fogo
Após este trabalho de investigação inicial, aprofundei a concepção do produto em maior detalhe:
1) Tipo de Desenvolvimento Imobiliário: Condomínio Residencial
2) Nº de Fogos: 15
3) Área Terreno: 7000 m2
4) Área Bruta de Construção: 1690 m2
5) Área Bruta Privativa Residencial: 1480 m2
6) Numero de Lugares de Estacionamento : 30 lugares à superfície
7) Áreas Comuns: 250 m2
- Sala Condomínio: 50 m2
- Gabinetes Escritório/Arrecadações: 180 m2 (12 m2 para cada moradia)
7) Outras possibilidades: Piscina Comum ou “Mini Tanque por moradia”; Campo de Padel; Micro Parque Infantil; Sala de Ginásio;
As necessidades das pessoas mudaram. A forma de viver modificou-se. A forma de habitar a casa é diferente. O Teletrabalho é uma nova realidade, ainda que não se adeque a todas as atividades profissionais. O espaço exterior é muito mais valorizado do que era. As zonas periféricas ganharam mais atratividade, com muitas famílias a alienarem os seus imóveis nos centros urbanos consolidados, fazendo mais valias muito interessantes.
Tudo isto é verdade. Mas, mais do que estes pontos, acredito que cada vez mais as pessoas pretendem viver “em comunidade”, construindo relações com os seus vizinhos como “viamos antigamente”. Mais do que uma tendência, sinto que se trata de uma verdadeira necessidade.
É desta forma que vejo o Condomínio. Um espaço dinâmico, vivido por todos os seus condóminos, onde cada um pode ter a “sua privacidade” mas ao mesmo tempo promove-se o contacto e a “partilha” entre toda a comunidade.
O quadro acima apresenta o Mix de Tipologias. Moradias V2 e V3 implantadas em terrenos de 160 m2, enquadrados num condomínio.
As moradias V2 com 80 m2 e as V3 com 120 m2. Na minha conceção, a cada fração deverá atribuir-se uma área dependente de cerca de 12 m2, fora do espaço habitável que permitirá trabalhar “fora de casa” mas dentro do condomínio, permitindo separar trabalho de família e lazer. Parece-me muito importante do ponto de vista da saúde mental.
A Sala do Condomínio pode servir como um zona “lounge” onde poderá existir uma máquina de café, uns sofás confortáveis e mais alguns adereços que permitam o encontro da comunidade que utiliza os gabinetes para desenvolver a sua atividade profissional, fora da sua zona de trabalho ou até para que possam receber os seus clientes.
Além do “espaço de trabalho” no seio do condomínio, a incorporação de um parque infantil parece-me essencial tendo em conta o target definido e as característics da localização. O campo de padel , piscina comum ou piscinas individuais e um pequeno ginásio, são amenities que necessitam de mais “debate” para maior percepção da “elasticidade do valor de venda”.
Quanto pode custar o desenvolvimento um empreendimento desta natureza, com acabamentos minimalistas (sem luxos) e utilizando métodos construtivos “off site” ou industrializados?
A tabela acima apresenta uma estimativa. Apenas isso.
O custo de financiamento assumido pressupõe financiar cerca de 70% da rúbrica construção.
Propositadamente, deixo o valor do Terreno a 0.
Mas porquê?
Porque o valor do terreno tem diferentes valorizações ao longo do ciclo de desenvolvimento.
Se não tivermos nenhuma validação formal da volumetria que é possível edificar (Pedido de Informação Prévia), o valor do terreno é “arbitrário”.
Se tivermos um PIP validado, já podemos fundamentar valor de forma mais assertiva, com base na volumetria validada.
Se tivermos um projeto de arquitetura aprovado, mais valor terá o terreno.
Se a licença de construção estiver a pagamento, ainda mais.
Em suma, à medida que o ciclo de desenvolvimento avança, “a terra valoriza”. Á medida que eliminamos o risco temporal e a incerteza do Desenvolvimento, valorizamos o projeto.
A tabela apresentada acima demonstra o Volume Global de Vendas expectável, face ao custo total (excluindo o valor do terreno pelas razões já explicitadas).
Apesar das dúvidas acerca do ciclo de desenvolvimento do projeto (sobretudo nos timings de licenciamento) e respetiva viabilidade urbanística, o “crivo” da análise de viabilidade prévia permite-nos “dar corpo” à ideia, antes de validar valor de aquisição ou venda do terreno e iniciar custos com projetos e licenciamentos.
O maior risco será sempre a validação da ideia em termos de licenciamento. Além disso, tendo em conta a situação atual no que concerne a taxas de juro, o mercado em causa parece-me “sensível” ao preço. Ainda assim, existe potencial a explorar na localização em análise. So é necessário criar os “produtos imobiliários certos”.
Em seguida, paralelamente, iniciamos a análise da documentação do ativo de forma mais fina e o processo de consulta à Câmara Municipal. É aqui que começamos a encontrar as “surpresas indesejadas”.
No que diz respeito à documentação, registos nas finanças e na conservatória, “todos certinhos” mas, na Câmara Municipal apenas um dos artigos urbanos tem licença de utilização, existindo a necessidade de prova que as edificações são anteriores a 1951.
Como se faz isso?
Junto da Direção Geral do Território, através da obtenção de Fotografias Áreas obtidas a partir de vôos militares anteriores a 1951.
Após obtenção destes registos e respetiva apresentação à Câmara Municipal, concluiu-se que não existem evidências que demonstrem que as edificações sejam anteriores a 1951 e portanto não existem condições para a alienação do terreno enquanto a situação não for regularizada.
Como se regulariza?
Na minha opinião, existem duas hipóteses.
1) Licenciar o que está edificado “ilegalmente”, apesar de pagar impostos pela sua existência e devidos registos nas finanças.
2) Demolir o que está ilegal, apesar de pagar impostos pela sua existência e devidos registos nas finanças.
Tendo em conta que a maior parte das edificações são ruínas não habitáveis, sem grande potencial de recuperação, faz sentido ter de assumir custos e processos burocráticos para “legalizar” edificações que estão devidamente registadas nas finanças e na conservatória do registo predial e pagam impostos pela sua existência?
Bem, é discutível.
Na prática, os proprietários estão obrigados a pagar os impostos sob pena de serem penhorados mas não podem alienar o terreno “até à regularização” da situação. E se os proprietários não tiverem dinheiro para a legalização ou demolição? Não deveriam ser pensadas medidas especiais para este tipo de casos? É preciso que se encontrem soluções. Não é justo que os proprietários de ativos imobiliários com situações semelhantes não consigam retirar liquidez de um ativo que pelo qual pagam impostos. Ainda para mais quando falamos de registos antigos.
Voltemos um pouco atrás. A “IDEIA do Projeto” ainda faz sentido para o terreno em causa?
Apesar do enquadramento urbano apresentado anteriormente, a leitura do município relativamente à densidade urbana é um pouco diferente.
Apesar de ser sempre necessário submeter um Pedido de Informação Prévia para confirmar a viabilidade da operação urbanística, as indicações técnicas vão no sentido se não se edificarem mais do que 5 frações que não totalizem mais de 1000 m2 de área construtiva. Cerca de 200 m2 por fração “atira-nos” para valores de venda um pouco “fora de pé”.
O projeto até poderá ser viável mas não enquadra no perfil e conceito definidos. Se apostarmos no desenvolvimento da ideia inicial, além da probabilidade de reprovação ser elevada, obriga-nos a entrar noutros domínios de licenciamento e o tempo necessário é muito superior.
Resumindo:
· A “Análise de Viabilidade Prévia” é muito importante na criação de “bases de valor” para ativos imobiliários (Terrenos ou Edifícios) onde existam dúvidas relativamente ao seu potencial construtivo e/ou melhor utilização. E tão importante para Vendedores como para Compradores. Quem tiver “menos informação” fica a perder na negociação de uma possível transação imobiliária.
· É muito importante “desburocratizar” o processo de “saber o que posso fazer com o meu terreno/edifício”. O tempo de análise de um Pedido de Informação Prévia não deveria ser superior a 60 dias.
· Apesar da sensibilidade aos valores de venda, a localização geográfica do Município de Palmela e suas características intrínsecas em termos de parque habitacional, faz-me acreditar muito no potencial de desenvolvimento da localização. O produto “Built to Rent” também poderá ter muito sucesso (o empreendimento Palmela Village, com todas as suas ineficiências, tem uma taxa de desocupação muito baixa e lista de espera para as frações que foram desenvolvidas com o propósito de serem colocadas no mercado de arrendamento). É inevitável que se revejam os pressupostos urbanísticos atuais para encontrar soluções que possam dar resposta ás necessidades das pessoas.
· Tenho tido conhecimento que muitos municípios estão a exercer direitos de preferência e a adquirir frações habitacionais com o intuito de colocar no mercado de arrendamento para aumentar a oferta. A maior parte destas frações será alvo de benfeitorias para melhoria da sua habitabilidade. Não tenho nada contra. No entanto, queremos aumentar oferta para arrendamento a comprar frações habitacionais, uma a uma? Terá lógica?
Tendo em conta as circunstâncias explicitadas, o terreno em análise perde potencial de mercado face às condicionantes existentes.
O que parecia fazer todo o sentido no início, deixou de fazer num ápice. Pelo menos no terreno em causa.
De todo o modo, o conceito apresentado é totalmente replicável para outros terrenos dentro da mesma zona de influência ou até noutras localizações.
Até breve,
André Casaca