O Mercado Visto da Rua: Por que motivo não se densificam os planos urbanos existentes?

Por que motivo não se densificam os planos urbanos existentes em Portugal?

A crise da habitação em Portugal tornou-se um dos desafios centrais do planeamento urbano contemporâneo. O aumento da procura, a escassez de oferta e os elevados preços da habitação estão a criar dificuldades significativas para as famílias e jovens que procuram um lugar para viver.  Apesar da consolidação das cidades, a construção em altura e a densificação urbana continuam a ser temas sensíveis, com resistência de vários setores. Torna-se inevitável questionar por que continuamos a expandir para terrenos rústicos e áreas periféricas, quando há tanto potencial por explorar dentro das cidades.Afinal, por que motivo não se aposta mais nestas soluções?

O conceito de densificação urbana e de verticalização

A densificação urbana refere-se ao aproveitamento mais eficiente do solo urbano, através da construção de edifícios com maior número de andares e do aumento da ocupação do território já infraestruturado. A verticalização, por sua vez, consiste na construção em altura, permitindo albergar mais pessoas num mesmo espaço urbano. Estes conceitos surgem como alternativas sustentáveis à expansão desenfreada das cidades para a periferia, reduzindo a necessidade de infraestruturas adicionais e melhorando a eficiência da ocupação urbana. Contudo, importa referir que esta solução não pode ser aplicável a todos os contextos urbanísticos, devendo ser equacionada para centros urbanos de média e alta densidade. Tendo em conta alguns dos principais stakeholders e especialistas (engenheiros, arquitetos, promotores imobiliários), salientam-se, também, as vantagens e desafios que a densificação urbana acarreta. 

Que vantagens apresentam?

A densificação e a construção em altura apresentam várias vantagens para o desenvolvimento urbano sustentável e podem ser uma solução para combater a crise da habitação, uma vez que permitem uma diluição significativa do custo do solo por m2. Também permitem uma otimização do espaço urbano, reduzindo a necessidade de ocupar novas áreas e, assim, preservando zonas verdes e espaços naturais. Além disso, promovem o aproveitamento de infraestruturas já existentes, como estradas, saneamento e transportes públicos, evitando custos adicionais para os Municípios. 

Outro benefício importante é a contenção da dispersão urbana, contribuindo para um crescimento mais ordenado das cidades. Do ponto de vista ambiental, a densificação reduz a dependência do automóvel e impede a expansão urbana para áreas verdes e agrícolas, ajudando a proteger o meio ambiente e a diminuir as emissões de carbono.

 No setor da habitação, a construção em altura pode aumentar a oferta de imóveis, tornando os preços mais acessíveis e mitigando problemas de escassez habitacional. Por fim, a maior concentração populacional impulsiona a economia urbana, gerando mais comércio e serviços, dinamizando as cidades e revitalizando os centros urbanos.  No entanto, apesar das vantagens evidentes, esta estratégia continua a ser mais exceção do que regra.

E, por outro lado, quais os desafios e as principais críticas?

Uma das principais razões para esta resistência passa pelas restrições urbanísticas e pelo planeamento rígido. Muitos Planos Diretores Municipais (PDM) impõem limites severos às alturas dos edifícios, ao número de fogos e aos tipos de construção, impedindo um crescimento mais eficiente. 

Além disso, a resistência social e política desempenha um papel crucial. Muitas pessoas associam o aumento da densidade à perda de qualidade de vida, ao aumento do trânsito e à descaracterização dos bairros, levando a que muitas autarquias hesitem em apoiar medidas de densificação, por receio de perder apoio eleitoral. Por este motivo, devemos enfatizar que a construção em altura deve ser integrada com critérios de qualidade arquitetónica e preservação da identidade urbana.

Outra barreira importante são os custos associados à reabilitação e ao licenciamento. Requalificar edifícios antigos pode ser significativamente mais caro do que construir em terrenos novos, além de exigir processos burocráticos mais demorados.

Também devemos ter em conta que nem todas as zonas estão preparadas para suportar um aumento significativo de população, sendo que é necessário investir no reforço das infraestruturas, para evitar a sobrecarga das mesmas. Como tal, deve ser sempre feita uma avaliação rigorosa das infraestruturas existentes, antes de qualquer avanço no sentido da densificação numa determinada zona.

Por fim, os interesses imobiliários e a especulação também influenciam esta equação. Para alguns promotores, pode ser mais lucrativo investir na expansão para novas áreas, adquirindo terrenos a preços baixos que, com a mudança da sua classificação, passam a valer significativamente mais.

A Regulamentação e os obstáculos legais

Os regulamentos urbanísticos e os Planos Diretores Municipais (PDMs) impõem diversas restrições à construção em altura através de diferentes instrumentos normativos. Tendo como base os principais centros urbanos, vejamos quais os regulamentos mais importantes e de que forma condicionam este tipo de construção.

1. Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU)

  • Regra dos 45 graus: A altura máxima dos edifícios não pode ultrapassar uma linha imaginária de 45 graus traçada a partir do outro lado da rua, o que reduz significativamente o potencial de construção em altura.

  • Distância entre edifícios: O RGEU impõe distâncias mínimas entre fachadas para garantir iluminação e ventilação adequadas, o que pode dificultar a construção de prédios mais altos em zonas urbanas densas.

2. Planos Diretores Municipais (PDM) – Lisboa e Porto

  • Índices de ocupação e construção: Os PDMs estabelecem limites de densidade construtiva e coeficientes de ocupação do solo que podem restringir a altura dos edifícios.

  • Proteção do skyline: Em certas áreas, os PDMs incluem restrições específicas para evitar impactos visuais negativos no perfil urbano da cidade.

  • Zonas de proteção patrimonial: Áreas como o centro histórico de Lisboa e Porto possuem restrições rígidas, que praticamente impedem novas construções em altura.

  • Preservação de vistas e enquadramento urbano: Em locais de interesse paisagístico ou cultural, como zonas ribeirinhas, a construção em altura pode ser limitada para não obstruir vistas panorâmicas.

3. Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL)

  • Cérceas máximas: O RMUEL define alturas máximas para edifícios em função da zona onde se inserem, restringindo a construção em altura em determinadas áreas da cidade.

  • Integração arquitetónica: Os novos edifícios devem respeitar o enquadramento urbano e arquitetónico da zona envolvente. Em áreas consolidadas, a altura das construções não pode destoar significativamente das edificações vizinhas.

  • Proteção do património: Em zonas históricas e classificadas, a construção em altura é altamente limitada ou mesmo proibida para preservar a identidade arquitetónica da cidade.

A construção em altura em Lisboa e no Porto enfrenta um conjunto de limitações impostas por um conjunto de regulamentos locais e nacionais que visam equilibrar crescimento urbano com preservação patrimonial e qualidade de vida. Embora existam argumentos a favor da verticalização, os atuais regulamentos tendem a favorecer a manutenção da escala urbana existente, dificultando a implementação de projetos de grande altura.

Qual é a posição dos Governos e dos partidos políticos?

Ao longo dos últimos anos, a densificação urbana e a construção em altura não tem sido uma prioridade clara nos programas governamentais. Enquanto alguns partidos defendem a revisão dos PDM para facilitar novas construções, outros alertam para os riscos de descaracterização urbana e especulação imobiliária. O debate tem sido marcado por uma abordagem conservadora, sem reformas estruturais significativas, por receio de que possa haver uma perda de eleitorado.

O que podemos aprender com outras cidades europeias?

Enquanto Portugal hesita, várias cidades europeias mostram que a densificação bem planeada pode ser uma solução eficaz para tornar as cidades mais acessíveis, sustentáveis e dinâmicas.

Em Roterdão, transformaram-se antigas zonas portuárias em bairros mistos e modernos, combinando habitação, escritórios e lazer, sem comprometer a qualidade de vida. 

Em Copenhaga, requalificaram-se zonas subutilizadas, como Ørestad, com um planeamento focado na mobilidade sustentável e em espaços verdes. 

Berlim, por sua vez, apostou na reabilitação de edifícios antigos e na criação de incentivos à densificação, mesmo perante uma forte resistência das populações locais, para garantir habitação acessível. 

Barcelona reorganizou bairros inteiros com o conceito dos "superblocks", promovendo a habitação e melhorando a qualidade de vida em zonas densificadas. 

Viena investiu na criação de habitação acessível em áreas densificadas, apoiada por um planeamento público robusto e por parcerias estratégicas com o setor privado.

Estes exemplos demonstram que a densificação não tem de ser sinónimo de perda de qualidade de vida — pelo contrário, quando esta é bem planeada, pode trazer renovação urbana, mais acessibilidade e maior sustentabilidade.

E em Portugal? Onde devemos densificar?

Portugal tem várias zonas urbanas subaproveitadas com potencial para serem densificadas. 

Em Lisboa:
1) a zona oriental — Marvila, Beato e Braço de Prata — continua marcada por extensas áreas industriais e logísticas, ideais para requalificação e criação de novos bairros habitacionais. 

2) Alcântara e Santos -  com ligações ao futuro Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (Metro e expansão ferroviária) e onde a construção em altura pode ser acomodada, sem comprometer o centro histórico.

3) Alta de Lisboa - já conta com alguma construção de média/alta densidade, mas ainda há espaço para a construção de torres residenciais. As infraestruturas rodoviárias e de transportes estão bastante desenvolvidas nesta zona.

Por outro lado, no Porto: 

1) Campanhã e Antas - Zonas estrategicamente ligadas ao Metro, à ferrovia e a grandes avenidas, onde já existe alguma verticalização e há espaço disponível para projetos de maior dimensão.
2) Matosinhos Sul e Leça da Palmeira - áreas com uma crescente procura habitacional, com boas ligações de transportes ao Porto.

3) Eixo da Boavista - área consolidada, com edifícios de maior altura e com potencial para crescimento, sem comprometer o centro histórico.

4) Vila Nova de Gaia (junto ao metro e à ribeirinha; fora da zona histórica da cidade) - área com fortes ligações ao Porto e com boas infraestruturas, com espaço disponível para empreendimentos de maior escala.

Como garantir uma densificação urbana equilibrada?

Para que a densificação urbana seja uma solução viável e sustentável em Portugal, é essencial implementar um conjunto de medidas que garantam um crescimento equilibrado das cidades. Em primeiro lugar, a revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM) deve permitir a construção em altura em zonas estratégicas, adaptando as normas urbanísticas às necessidades atuais da habitação. No entanto, a densificação só será bem-sucedida se acompanhada por uma melhoria das infraestruturas de transportes e saneamento, evitando que um aumento da população urbana sobrecarregue serviços essenciais.

Além disso, é fundamental adotar políticas de habitação acessível para evitar processos de gentrificação, garantindo que a diversidade social e a inclusão sejam prioridades no desenvolvimento urbano. A criação de incentivos fiscais e linhas de crédito com juros reduzidos pode impulsionar a reabilitação de edifícios devolutos e estimular a construção sustentável. Para garantir um crescimento equilibrado, a adoção de critérios ambientais rigorosos deve estar no centro das políticas de densificação, promovendo edifícios eficientes do ponto de vista energético e integrados em infraestruturas verdes, como parques urbanos e corredores ecológicos.

Outro ponto essencial é a simplificação e agilização do processo de licenciamento urbano. A burocracia excessiva muitas vezes trava projetos de reabilitação e requalificação, tornando a construção em novas áreas uma opção mais atrativa para promotores imobiliários. Criar mecanismos mais céleres e transparentes pode ajudar a desbloquear rapidamente soluções habitacionais em zonas já infraestruturadas.

Por fim, qualquer estratégia de densificação deve envolver um diálogo ativo com as comunidades locais. A resistência social pode ser um dos maiores entraves a este processo, pelo que é essencial envolver os residentes desde o início, demonstrando os benefícios da densificação e assegurando que as transformações urbanas trazem vantagens reais para quem já vive nas cidades. Para evitar desequilíbrios no território, também deve haver uma maior coordenação entre os municípios e o Governo Central, garantindo que o crescimento urbano seja planeado de forma integrada e sustentável.

Se bem planeada e executada, a densificação pode ser uma resposta eficaz à crise habitacional, permitindo aproveitar melhor o território urbano já existente e oferecendo soluções habitacionais acessíveis sem comprometer a qualidade de vida.

Conclusão

A construção em altura pode ser uma solução eficaz para a crise habitacional em Portugal, desde que bem planeada e integrada. Com uma abordagem equilibrada, revisão regulatória e aposta em infraestruturas, a densificação pode ajudar a criar cidades mais acessíveis, dinâmicas e sustentáveis, sem comprometer a identidade urbana e a qualidade de vida dos seus habitantes.

Um abraço,

Gonçalo Carvalho Miguel

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