O Mercado Vista da Rua: o Alojamento Sénior em Portugal

O Alojamento Sénior em Portugal

1. Introdução

O envelhecimento demográfico é um dos grandes desafios sociais e económicos do século XXI, e Portugal destaca-se como um dos países europeus mais afetados por esta transformação. Atualmente, cerca de 23% da população portuguesa tem mais de 65 anos, e as projeções indicam que essa percentagem continuará a aumentar nas próximas décadas. Este fenómeno coloca uma pressão crescente sobre os serviços sociais, os sistemas de saúde e, de forma cada vez mais evidente, sobre o setor da habitação.

À medida que a população envelhece, surgem novas exigências habitacionais que vão além do mero alojamento. A qualidade de vida, a autonomia e o bem-estar tornam-se prioridades, impulsionando o desenvolvimento de soluções que integrem conforto, acessibilidade e apoio especializado. É neste contexto que o conceito de Alojamento Sénior ganha relevância: um modelo habitacional inovador que alia independência e segurança a uma oferta de serviços personalizados, garantindo um envelhecimento ativo e digno.

Apesar da crescente procura e da evolução do perfil sénior, Portugal enfrenta ainda um défice significativo de oferta adequada, especialmente quando comparado com outros países europeus que já adotaram modelos mais diversificados e flexíveis. Este artigo analisa a realidade do alojamento sénior no país, explorando as principais tendências, desafios e oportunidades que podem moldar o futuro deste segmento habitacional.

2. Envelhecimento da População -  um novo desafio demográfico

Portugal atravessa uma das maiores transições demográficas da sua história. Segundo dados do INE, mais de 23% da população portuguesa tem hoje mais de 65 anos – uma percentagem que deverá ultrapassar os 35% até 2050, colocando o país entre os mais envelhecidos da Europa. Em comparação, a média da União Europeia situa-se atualmente nos 21,3% e prevê-se que atinja os 30,5% em 2050, segundo os dados do Eurostat em 2023.

A esperança média de vida aumentou significativamente nas últimas décadas, situando-se atualmente nos 81,1 anos (84 anos para mulheres e 78 para homens) em Portugal, em contraste com os 80,1 da UE. As previsões apontam que a esperança média de vida do país possa evoluir para os 86 anos até 2050. Portugal está acima da média europeia e a envelhecer mais depressa. Estes dados, embora sejam positivos, implicam uma adaptação profunda das infraestruturas e dos serviços sociais, nomeadamente no setor da habitação.

Por outro lado, o índice de envelhecimento (número de idosos por cada 100 jovens) é já superior a 190, bastante acima dos 138 a nível europeu, o que traduz um desfasamento crescente entre a população ativa e a sénior. Esta realidade não se distribui de forma uniforme: regiões como o Alentejo, o Centro e o Interior Norte apresentam os rácios mais elevados (índice de envelhecimento superior a 250), enquanto o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa concentram maior atratividade para seniores estrangeiros e nacionais em busca de qualidade de vida e acesso a serviços.

Cerca de 90% dos portugueses com mais de 65 anos vivem nas suas próprias casas, o que reforça a preferência pela autonomia. No entanto, o envelhecimento traz novos desafios: mais de 35% da população com 80+ anos enfrenta algum grau de dependência, o que se reflete na crescente procura por soluções residenciais intermédias que combinem privacidade, assistência e bem-estar.

Por outro lado, o perfil dos seniores está a transformar-se. O conceito de envelhecimento ativo — promovido pela OMS — ganha força e traduz-se numa geração mais exigente, informada e tecnologicamente adaptada. Atualmente, mais de 60% dos seniores portugueses usam regularmente a internet, o que influencia as suas expectativas em relação à habitação, aos serviços e ao acesso à informação.

Portugal é cada vez mais procurado, também, por seniores internacionais. Em 2023, mais de 47.000 estrangeiros com 65 ou mais anos residiam legalmente no país, com destaque para britânicos, franceses, holandeses e alemães — atraídos pelo clima, pela segurança, pelo sistema de saúde e pelo regime fiscal (como o antigo estatuto de residentes não habituais). Esta tendência tem impacto direto na procura por senior living de qualidade, especialmente nas regiões costeiras. No Algarve, por exemplo, os residentes estrangeiros com mais de 65 anos representam quase 20% da população sénior total da região.

3. Alojamento Sénior vs ERPI

O conceito de Alojamento Sénior refere-se a um conjunto de soluções habitacionais destinadas a pessoas com 60 anos ou mais, que procuram manter a sua independência e qualidade de vida, mas que também valorizam algum nível de apoio e serviços integrados. Esta tipologia habitacional foca-se na autonomia e no bem-estar dos residentes, oferecendo serviços opcionais como apoio médico, atividades recreativas e assistência personalizada. As estruturas são adaptadas para garantir acessibilidade e segurança, incluindo residências assistidas, comunidades séniores, cohousing e lares privados. Geralmente promovidos pelo setor privado, os alojamentos séniores destinam-se sobretudo a séniores ativos ou com pouca dependência, integrando atividades sociais e culturais que promovem um envelhecimento ativo.

Por outro lado, as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) são equipamentos sociais destinados ao acolhimento de séniores que necessitam de cuidados permanentes ou de assistência diária. Regidas por legislação específica, estas estruturas devem cumprir requisitos rigorosos definidos pela Segurança Social, garantindo o acolhimento, cuidados continuados e apoio diário. Os serviços prestados incluem assistência médica, enfermagem, higiene pessoal, alimentação e atividades de lazer e as estruturas são especialmente adaptadas para séniores com pouca autonomia. As ERPI podem ser geridas por entidades públicas, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) ou entidades privadas, mas estão sempre sujeitas a regulamentação estatal. O acesso a este tipo de alojamento depende frequentemente de critérios sociais e económicos, sendo comum o apoio estatal ou a comparticipação familiar.

A principal diferença entre as duas abordagens consiste no perfil dos residentes e na gestão dos serviços. O Alojamento Sénior, de gestão predominantemente privada, é mais flexível e orientado para a autonomia dos séniores, oferecendo-lhes uma moradia independente com serviços personalizados. Por outro lado, as ERPI, sujeitas a uma regulamentação rigorosa, destinam-se a séniores com autonomia reduzida, garantindo cuidados continuados e suporte diário. Esta distinção reflete as necessidades específicas dos séniores e a forma como as infraestruturas se organizam para responder aos diferentes graus de dependência.

4. Caracterização da oferta

Apesar do envelhecimento acelerado da população portuguesa e da evolução no perfil dos seniores, a oferta de alojamento sénior em Portugal continua dominada por modelos convencionais, que se revelam insuficientes para dar resposta à procura atual e futura.

O sistema de apoio residencial a seniores em Portugal tem sido historicamente centrado nos lares de idosos, com forte presença do setor solidário e religioso (IPSS e Santa Casa da Misericórdia), que representam mais de 80% da oferta total. Os restantes 20% dividem-se entre unidades públicas (número reduzido) e privadas (que se encontram em crescimento).

Estes equipamentos são, maioritariamente, concebidos para seniores com níveis de dependência moderada ou elevada, funcionando num modelo institucionalizado e muitas vezes com listas de espera superiores a um ano, sobretudo nas zonas urbanas.

Segundo dados do Eurostat e da Carta Social, Portugal dispõe atualmente de cerca de 100.000 camas em lares e estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) — o que corresponde a aproximadamente 500 camas por 100.000 habitantes com mais de 65 anos. A título comparativo, os Países Baixos, a Suécia ou a Alemanha já superam as 1.200 camas por 100.000 seniores, com modelos mais diversificados e flexíveis.

Atualmente, são necessárias cerca de 30.000/40.000 camas para cobrir a procura atual. Este défice estrutural torna-se mais grave tendo em conta as projeções demográficas para as próximas décadas e o crescente número de seniores com autonomia que procuram soluções intermédias. 

Portugal também apresenta uma clara lacuna na oferta de soluções residenciais para seniores autónomos ou sem dependência severa, como por exemplo os modelos de residências assistidas, os apartamentos com serviços partilhados ou co-housing sénior. Embora em crescimento noutros países da Europa, em Portugal estas soluções representam uma porção muito reduzida do mercado. Estima-se que existam menos de 3000 camas em estruturas com estes modelos.

Em termos geográficos, a maioria da oferta privada de alojamento sénior localiza-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como no Algarve, onde há maior atratividade para investidores estrangeiros e uma maior presença de seniores internacionais.

No entanto, as regiões do interior com elevado índice de envelhecimento continuam com grande défice de oferta, o que abre oportunidades para modelos de proximidade, adaptados à escala local.

5. Desafios do Alojamento Sénior em Portugal

Contudo, o desenvolvimento de soluções de alojamento sénior em Portugal enfrenta uma série de desafios estruturais, económicos, sociais e até culturais. Estes obstáculos comprometem a capacidade do mercado de responder adequadamente às novas exigências do envelhecimento da população e de atrair investimento qualificado.

Como vimos atrás, a escassez de oferta e a falta de modelos residenciais intermédios (como residências assistidas e senior living communities) tornam o mercado altamente dependente dos lares tradicionais, que, na sua generalidade, não correspondem às expectativas de uma geração cada vez mais ativa e exigente. Mas, existem outros problemas que contribuem para o agravamento desta situação.

O custo das soluções existentes, sobretudo no setor privado, torna o alojamento sénior inacessível para a maioria dos reformados portugueses. Com pensões médias inferiores a 800 euros por mês, a maioria dos lares privados — que cobram entre 1.500 e 3.000 euros mensais — está fora do alcance económico de muitos séniores. A falta de apoios estatais significativos e de incentivos fiscais para o desenvolvimento de modelos de alojamento inovadores contribui para perpetuar este cenário.

Tal como acontece um pouco por todo o mercado imobiliário, neste segmento também nos deparamos com barreiras burocráticas e ao nível da regulação. Os projetos de alojamento sénior em Portugal enfrentam trâmites administrativos complexos e licenciamentos morosos, particularmente quando envolvem serviços de saúde. A inexistência de um enquadramento legal claro para modelos híbridos, como cohousing ou senior coliving, torna o processo ainda mais difícil. Poderia ser interessante incluir o alojamento sénior como tipologia autónoma no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

O regime de Licenciamento das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) não contempla formatos flexíveis, levando os promotores a optar por modelos convencionais para garantir a viabilidade dos projetos, mas que não se ajustam às necessidades dos séniores.

Além disso, há um estigma associado às residências para idosos, que são vistas como um último recurso, em vez de um espaço de qualidade de vida e bem-estar. Este fator inibe a procura e acaba por dificultar a aceitação de novos formatos residenciais.

Por último, um dos maiores entraves ao desenvolvimento sustentável do setor passa pela falta de profissionais capacitados. Portugal enfrenta um défice significativo de cuidadores, enfermeiros geriátricos e profissionais de apoio domiciliário, devido à baixa atratividade salarial e às condições de trabalho pouco valorizadas. 

Segundo dados da OCDE, Portugal tem um dos rácios mais baixos da Europa de cuidadores formais por 1.000 séniores, resultando numa sobrecarga dos profissionais existentes e impactando a qualidade dos serviços prestados. Para mitigar esta questão, temos de apostar e investir na formação profissional especializada de forma contínua, melhorar as condições salariais e laborais e criar incentivos financeiros e fiscais para atrair mais profissionais para o setor. 

6. O impacto dos critérios ESG no Alojamento Sénior

O conceito de ESG (Environmental, Social, and Governance) tem vindo a ganhar crescente relevância no setor imobiliário e o Alojamento Sénior não é exceção. Integrar práticas ESG em projetos de Senior Housing representa não só uma oportunidade de promover o envelhecimento ativo e sustentável, mas também um caminho estratégico para garantir a atratividade dos investimentos.

No plano ambiental, o desenvolvimento de unidades de alojamento sénior deve considerar critérios como a eficiência energética, a utilização de materiais sustentáveis e a gestão responsável dos recursos. Edifícios bem isolados, sistemas de aquecimento eficientes e aproveitamento de energias renováveis não só reduzem os custos operacionais, como também contribuem para um ambiente mais saudável e confortável para os residentes.

Na vertente social, o impacto positivo passa pela criação de espaços que promovam o convívio e o bem-estar, reduzindo o isolamento dos séniores e incentivando a vida em comunidade. Modelos de co-housing sénior, por exemplo, têm sido eficazes na criação de redes de apoio mútuo, melhorando a qualidade de vida dos residentes. Além disso, garantir acessibilidade é essencial para atender às necessidades de uma população mais envelhecida.

No que diz respeito à governança, a transparência na gestão e a adoção de políticas de boa conduta são fundamentais para criar confiança junto de investidores, dos residentes e dos familiares. A existência de mecanismos claros de comunicação, tal como o cumprimento rigoroso das normas legais e de saúde, são elementos centrais para garantir a sustentabilidade dos projetos.

Adotar critérios ESG no alojamento sénior não só contribui para a criação de infraestruturas mais responsáveis, como também aumenta a atratividade junto de investidores institucionais e privados que valorizam ativos com impacto social positivo e menor risco reputacional. Assim, o futuro do senior housing em Portugal deve passar por uma abordagem que contemple inovação com responsabilidade social e ambiental.

7 - Boas práticas a nível internacional: a inovação no Alojamento Sénior

O desafio do envelhecimento populacional não é exclusivo de Portugal. Os Países Baixos, a Alemanha e a Dinamarca enfrentam esta realidade há mais tempo e têm desenvolvido modelos inovadores e eficazes de alojamento sénior que combinam qualidade de vida, autonomia e sustentabilidade económica. 

Os Países Baixos são apontados como um exemplo pioneiro na forma como encaram a habitação sénior. Foram criadas centenas de comunidades de co-housing sénior, onde os residentes vivem em apartamentos individuais, mas partilham espaços comuns e tomam decisões em comunidade. Um dos casos mais emblemáticos é o modelo Humanitas de Roterdão, que se tornou globalmente conhecido por integrar jovens universitários nas suas instalações — os estudantes vivem gratuitamente, em troca de apoio e tempo de convívio com os residentes sénior. Este tipo de abordagem promove a autonomia e cria uma forte ligação comunitária, ao aproximar as gerações mais novas das mais velhas.

Além disso, muitos destes projetos são financiados por cooperativas habitacionais, com apoios e incentivos das entidades locais — demonstrando que o investimento público-privado com impacto social é possível.

Na Alemanha, o modelo de habitação assistida com serviços opcionais é uma realidade, com milhares de unidades em funcionamento. Trata-se de um modelo híbrido entre o lar tradicional e a habitação independente, onde os residentes vivem de forma autónoma, mas têm acesso a um conjunto variado de serviços (limpeza, refeições, enfermagem, transporte, atividades culturais ou fisioterapia).

Este modelo permite respeitar o desejo de independência dos séniores, garantindo o suporte quando é necessário. Também permite atrair investimento privado, ao garantir contratos de longa duração, taxas de ocupação estáveis (frequentemente superiores a 90%) e um perfil de risco controlado, tornando-se apelativo para investidores.

Em Portugal, como a oferta de soluções intermédias é quase inexistente, poderíamos beneficiar amplamente da adaptação deste modelo, em particular nos grandes centros urbanos e nas áreas metropolitanas.

Por fim, a Dinamarca aborda o alojamento sénior como parte integrante da política pública de urbanismo e coesão social. Um bom exemplo de sucesso são as chamadas "Senior Villages", projetos habitacionais de pequena escala, integrados em zonas urbanas ou suburbanas, com um foco muito grande na sustentabilidade ambiental e em criar ligações entre a comunidade, ao apostar na proximidade aos serviços, comércio e transportes. Estes modelos são geridos por cooperativas ou municípios, garantindo o acesso a preços justos e um planeamento de longo prazo. 

O que podemos retirar destas boas práticas internacionais é que Portugal pode (e deve) apostar na diversificação da oferta e na captação de investimento, para que a população sénior não dependa meramente do assistencialismo do Estado. Devemos fomentar a cooperação entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil.

Conclusão

O mercado de alojamento sénior em Portugal enfrenta um momento decisivo, impulsionado por um envelhecimento populacional acelerado e por mudanças profundas nas expectativas dos séniores quanto ao seu estilo de vida e bem-estar. Apesar de alguns avanços, a oferta atual é insuficiente e pouco diversificada, especialmente no que toca a soluções intermédias que combinem autonomia com apoio personalizado.

As experiências internacionais mostram que é possível adotar modelos habitacionais mais flexíveis, integrados na comunidade e sustentáveis, promovendo simultaneamente a qualidade de vida e a inclusão social dos mais velhos. Para tal, é fundamental que o setor público e privado promovam a criação de projetos inovadores, apostando em políticas de incentivo e numa regulação que favoreça abordagens modernas e adaptadas às novas necessidades.

Além disso, a integração de critérios ESG no desenvolvimento de projetos de alojamento sénior representa uma oportunidade para alinhar investimentos imobiliários com práticas socialmente responsáveis e ambientalmente sustentáveis, que são cada vez mais importantes para os investidores e para obter financiamentos. Só assim será possível garantir um futuro mais digno e inclusivo para uma população cada vez mais envelhecida, oferecendo um verdadeiro lar, onde a autonomia e o conceito de comunidade coexistem de forma harmoniosa.

O caminho para o alojamento sénior em Portugal passa, portanto, pela inovação, pela cooperação entre os agentes públicos e privados e pela adoção de práticas que promovam a sustentabilidade e a qualidade de vida. Trata-se de um desafio incontornável que exige visão estratégica e compromisso social, para que a nossa população sénior possa envelhecer com dignidade e segurança.

Um abraço,

Gonçalo Miguel


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